Sempre fui um tanto “prafrentex” e aprendi cedo com meus pais a criar “casca grossa” para resistir a cara feia, gente mal educada, gente injusta. Depois do acidente, quando muitas dúvidas pairavam na minha cabeça e na dos outros, muitas vezes eu tive que engoli seco quando quiseram embutir em mim incapacidades, dificuldades inexistentes para seguir adiante, obstáculos que, para o outro e não para mim, eram intransponíveis.
Não ter nascido num berço abastado, infelizmente, pode embutir na cabeça da gente, sobretudo quando se é ‘deficiente’ ou seja, supostamente inferior ao outro também fisicamente (pelo menos na demência de alguns), a ideia de que ser vítima de preconceito é mais um fardo necessário de se carregar. Galera, esse tempo já era. Se queremos um mundo mais acessível e justo pra esse pessoal que não anda, que não vê e que não ouve, é preciso empunhar o rigor da lei na cara de quem nos desrespeita, nos vê como seres de segunda categoria e acha que pode nos destratar e humilhar. A história que li num blog de uma advogada mineira de Poços de Caldas Ana Carolina Gonçalves Costa, 27, que é cadeirante, intriga a gente pela crueldade, mas nos aponta um rumo futuro, uma maneira de fazer a diferença para nós mesmos. Vejam só:
“Durante toda a minha vida, nunca tinha passado por nenhuma situação de preconceito direto... algumas situações, às vezes, se tornavam constrangedoras para mim, mas era visível que tratava-se de puro desconhecimento por parte do estranho e não chegava a interpretar como má-fé”.
Contudo, há cerca de um mês, a Aninha sentiu aquele gosto amargo de ser destratada, ser ofendida e ser vítima de preconceito direito.
“No início do ano de 2008, estava comprando móveis para o meu escritório, e me dirigi a uma loja para ver algumas cadeiras que estavam na vitrine e que me interessaram. Para entrar no local, é preciso subir alguns degraus, por isso minha mãe entrou, perguntou o preço, forma de pagamento e ficou como intermediária. O dono da loja chegou inclusive a levar a cadeira até a rua para que eu visse e, inclusive, fiz os cheques para pagar ali mesmo”.
Pô, comigo isso já aconteceu várias vezes também. Quando eu não caibo na goma, peço pro vendedor me atender na calçada, na rua, tem miséria, não... na real, tem a miséria do dono da loja que não faz um acesso, né, não?!
“Após alguns dias da compra fiquei sabendo que a loja tinha um acesso lateral com rampa, e me perguntei o porquê do proprietário da loja não ter me convidado a entrar. Passou... Agora,depois de um ano, voltei ao local para ver alguns móveis para minha casa... Ao chegar vi que a porta lateral estava fechada e com um espelho enorme encobrindo a passagem. Solicitei a um funcionário que estava por ali que abrisse o acesso. Ele argumentou que o espelho era grande e que não havia como tirá-lo. Não concordei, sob o argumento de que era tão difícil ter uma rampa decente e onde ela existisse eu não podia admitir que fosse barrada. Então, o rapaz disse que iria procurar alguém para ajudá-lo a tirar o espelho e abrir a porta... assim, subi a rampa e fiquei esperando ao lado da porta.”
Criançada, entenderam tudo até aqui? Rampa de enfeite, acesso bloqueado, o sol na cabeça, a moça ali criando “reiva” da “situation”....
“Percebi que não havia movimentação alguma atrás da porta, mas mesmo assim resolvi esperar para ver no que ia dar. Alguns minutinhos depois o mesmo dono da loja, que já havia me atendido um ano antes, veio ao meu encontro e inteligentemente perguntou se eu queria entrar. Obviamente respondi que sim e obtive a resposta de que ele não possuía chave daquela loja. Ao ver minha indignação com tamanha falta de senso, cidadania, respeito e vivência no século 21, ele tentou me consolar...”
Agora, percebam a sordidez do cara. A má vontade, o “fatalit” que ele deu na Aninha, que a deixou em prantos...
“Ele disse que, mesmo que tivesse a chave, eu não poderia entra na loja dele, pois não havia espaço físico para me receber. Na minha profissão, tenho que ter sangue frio para resolver as mais diferentes situações, mas quando a injustiça bate a nossa porta.... Meu sangue ferveu, comecei a chorar e liguei para a polícia, para que aquela situação ficasse documentada.”
Esta atitude que a Ana tomou é fundamental. A polícia serve pra isso. Pra defender o cidadão e garantir que a lei seja cumprida. No caso, o direito de ir e vir foi violado, a meu ver, além de a atitude do cidadão ser claramente discriminatória. Oras, ele que tirasse tudo lá de dentro para que ela se movimentasse dentro da espelunca....
“Naquele momento não sabia ao certo se estava sendo vítima de um crime, mas sabia que alguma atitude eu tomaria. Tentei, com ajuda de uma amiga delegada, encaixar o ato em todo tipo penal que lembrávamos, mas não conseguimos nada.... A lei n.º 7.853, de 24 de outubro de 1989, que estabelece os direitos básicos das pessoas portadoras de deficiência, não havia nada que me protegesse”.
Pra completar o clima tenso, a Ana ainda teve de aguentar a provocação da filha do dona da loja, um projeto de ”nadia”, com cerca de 18 anos, que dizia que não havia nada a fazer e quem se daria mal era a “deficiente”.
O “nádio” que se preza não pensa duas vezes em falar assim: “Ocê é revoltado. Ocê é mal amado porque não pode andar. Ocê é bravo assim porque sua mãe te deixou cair do berço e ficou todo bagunçado. Ocê devia era ficar em casa em vez de querer melhorar os acessos da rua. Ocê é magoado com mundo porque tem as canela seca”.
Que falta faz um estilingue certas horas, né?
“O policial constatou que realmente a porta estava obstruída...O dono da loja, na cara dura, mentiu dizendo que me dera a opção de esperar para que um chaveiro viesse abrir a porta. No final das contas, ele não admitiu que estava errado”. Bem, essa história poderia acabar com mais um sapo engolido por uma pessoa com deficiência que se lasca vivendo em um mundo paralelo, mas, a Ana pegou seu estilingue, seu cajado da insatisfação e foi pra guerra... “Como brasileiro só aprende quando sente no bolso, formulei uma Ação de Indenização por danos morais, com fundamento no direito de ir e vir de qualquer pessoa, bem como na reparação prevista na Constituição Federal e no Código Civil sempre que alguém cometer um ato ilícito.”
Pessoal, a primeira audiência é no dia 8 de setembro e eu vou estar atento ao resultado. Vejamos que olhar terá a Justiça diante desse constrangimento, dessa marca que fica no coraçãozinho e mente da gente pro muuuito tempo. O reparo pedido é o máximo pedido em um Juizado Especial nos casos de o postulante ter advogado constituído: 40 salários míninos
“Qualquer um, mesmo não sendo advogado, pode entrar com uma ação dessas em sua cidade, desde que estipule como valor da causa uma quantia até 20 salários mínimos.”
**Garimpado em “Assim como você”
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
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